10/05/25
A jornalista Cileide Alves fez um retrato devastador da atual situação da Câmara Municipal de Goiânia em artigo publicado no jornal O Popular. Com o título “Descalabro atrás de descalabro”, o texto denuncia episódios recentes que revelam o esfacelamento institucional e a completa falta de compostura no Legislativo da capital. Segundo ela, a sucessão de crises expõe “o sangramento” da Câmara e sua desconexão com os interesses reais da população.
O ponto de partida do artigo é o confronto ocorrido dentro das dependências da Câmara entre o procurador-geral Kowalsky Ribeiro, armado, e Sérgio Dornelles, chefe de gabinete do vereador Sargento Novandir. A tensão chegou ao ponto de o próprio vereador comparecer à sessão plenária trajando colete à prova de balas. Para Cileide, o episódio evidencia a “falta de inteligência emocional para a representação política, seja como funcionário público ou parlamentar”.
A situação só foi contida dias depois, com o retorno do presidente da Casa, Romário Policarpo, que havia deixado Goiânia em dias úteis de sessões ordinárias para acompanhar o Vila Nova em Belo Horizonte. Foi dele a decisão, ainda assim tardia, de exigir as demissões dos envolvidos no conflito.
Mas o cenário de crise não parou por aí. Na mesma semana, a Câmara aprovou emenda à lei das emendas impositivas permitindo que recursos públicos sejam repassados a organizações não governamentais (ONGs) mesmo sem vínculo jurídico prévio com a administração municipal. A pressa na tramitação veio após o veto do prefeito Sandro Mabel a R$ 89 milhões em emendas parlamentares — a maior parte destinadas à saúde — sob o argumento de que as entidades beneficiadas não estavam cadastradas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o que inviabiliza o repasse de verbas vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Cileide critica a reação da Câmara diante do veto e afirma que, embora as emendas sejam impositivas, não estão isentas de cumprir a legislação. “Não é por ser impositiva que uma emenda pode descumprir regras legais, como a exigência de CNES para ONGs com direito a receber recursos do SUS”, argumenta a jornalista, lembrando que o governo estadual, sob comando de Ronaldo Caiado, já adota esse tipo de controle por meio de decreto.
O texto ainda aponta o risco de o projeto aprovado pelos vereadores abrir espaço para o uso irregular de verbas públicas. “Tende a regulamentar, sim, mas o mau uso desses recursos públicos, haja vista o comportamento de vários vereadores que já destinaram milhões de reais em emendas a ONGs de histórico questionável ou ligadas a pessoas com relações com o autor delas”, escreve Cileide.
Num trecho simbólico e provocativo, a jornalista compara a postura da Câmara à antítese do conceito de sinodalidade proposto pelo papa Leão XIV — uma Igreja que dialoga e escuta. “Bem que poderia estimular os vereadores a também fazerem uma Câmara que escuta os munícipes, e não que fala para eles pelas redes sociais.”
A análise final do artigo propõe uma reflexão mais ampla sobre o estado da política institucional brasileira. Segundo Cileide, a crise de representatividade está diretamente ligada ao afastamento entre eleitores e eleitos. “Se o eleitor não se sente representado, mas os políticos ainda assim conseguem permanecer na atividade política, a saída é ignorar a política, alimentando um círculo vicioso”, afirma. Ela conclui alertando para o risco desse distanciamento: “E assim os parlamentos cada vez mais promovem descalabros, como o aumento do número de deputados federais, e o quase bangue-bangue na Câmara Municipal”, escreveu.